sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Introdução

A presença do ensino de Arte e Música[1] nas escolas brasileiras ocorreu, nos últimos anos, de forma bastante variada, destacando-se três momentos significativos: o Canto Orfeônico, entre as décadas de trinta e sessenta; a Educação Artística, na década de setenta e o momento atual, caracterizado por múltiplas interpretações e práticas.

Verificamos a obrigatoriedade deste ensino através do seguinte texto:

O ensino de arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis de educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos (LDB n. 9.394/96, Art. 26, § 2º).

A redação deste artigo nos permite realizar certos questionamentos: alguma modalidade de ensino de Arte – Artes Visuais, Música, Teatro ou Dança, deverá ser privilegiada ou todas elas deverão ser trabalhadas? Nas séries iniciais do ensino fundamental, que profissional deverá ministrar este ensino: a professora[2] ou o professor especialista?

Encontramos algumas respostas no sexto volume dos Parâmetros Curriculares Nacionais[3] e apresentaremos uma reflexão sobre algumas dimensões do processo de ensinar e aprender a partir da leitura crítica deste documento, enfocando: a abordagem sociocultural da Educação Musical; o ensino de Arte ou de Educação Artística e a questão da formação docente.

Abordagem sociocultural da Educação Musical

Os estudos sobre a relação entre cultura e educação musical questionam a abordagem eurocêntrica que considera o repertório da tradição erudita européia como o de “maior valor” e revelam a importância de se considerar não a música, mas as músicas das diferentes culturas como componentes das diversas comunidades sociais.

A repercussão desta concepção para o ensino de Música encontra-se, por um lado, na importância de se considerar a diversidade cultural e musical da escola e, por outro, na necessidade de se trabalhar com as músicas, enquanto possibilidades diferenciadas de organização sonora e meios de ampliação da experiência e discurso musicais dos/as alunos/as.

Este aspecto nos leva à afirmação sobre o trabalho com as diferentes culturas, encontrada no PCN-Arte (2000, p.51):

[a arte] pode ser observada [...] na música dos puxadores de rede, nas ladainhas entoadas por tapeceiras tradicionais, [...] nos pregões de vendedores [...] O incentivo à curiosidade pela manifestação artística de diferentes culturas [...] pode despertar no aluno o interesse por valores diferentes dos seus [...] possibilitando [...] reconhecer em si e valorizar no outro a capacidade artística de manifestar-se na diversidade.

Para Penna (2001, p.2), essa concepção do ensino de música “é bem direcionada, uma vez que consideramos que a função da educação musical na escola de ensino fundamental é ampliar o universo musical do aluno”.

Acrescentamos à ênfase no conhecimento das diferentes culturas, a importância das discussões sobre o inter-relacionamento entre elas, considerando a multiplicidade, complexidade e entrelaçamento entre os traços e marcas culturais dos indivíduos e das relações sociais. Tal perspectiva aproxima-se do conceito de interculturalidade de Barbosa (1995, p.11), para quem: “o termo ‘Intercultural’ significa a interação entre as diferentes culturas”.

Uma outra dimensão da relação entre cultura e ensino de Música trata de retroalimentar a perspectiva intercultural, trazendo para o debate a contribuição que a Música pode lhe conferir. A esse respeito, afirma Sekeff (1996, p.145): “mais do que a herança genética, é exatamente a cultura que determina a música dos povos e justifica as suas realizações (ao mesmo tempo em que sua música vai constituir também sua cultura)”.

Consideramos que um trabalho crítico realizado com a multiplicidade de manifestações musicais das diferentes culturas, pode contribuir para que os/as alunos/as compreendam melhor as inter-relações existentes entre elas. Ou, dito de outra maneira, a perspectiva intercultural possui uma importante contribuição para os estudos e práticas do ensino de Música e, este ensino, pode desempenhar um papel relevante na compreensão das questões colocadas por tal abordagem.

Ensino de Arte ou Educação Artística ?

O texto do PCN-Arte (2000, p.30) afirma que chegou-se à década de noventa “mobilizando novas tendências curriculares em Arte [...] São características [...] as reivindicações de identificar a área por Arte (e não mais por Educação Artística) e de incluí-la na estrutura curricular como área, com conteúdos próprios [...]”.

Entretanto, a mudança de nomenclatura de Educação Artística para Arte parece ainda pouco clara para a efetivação do ensino desta área.

A título de exemplo, tomamos o edital do concurso para professores do estado de Minas Gerais. Neste concurso, realizado em 2001, houve cinco vagas para professor de Arte na região da 40ª Superintendência Regional de Ensino. Destas, uma era para professor de Arte – ensino médio – e quatro para professor de Educação Artística – 3º e 4º ciclos do ensino fundamental (Minas Gerais, 2001, p.266; 272).

Ora, se a Arte deverá se constituir enquanto área em todos os níveis da educação básica, ainda que encontrem-se professores atuando nas escolas, esse número de vagas chega a ser inexpressivo. É interessante notar, também, a ambigüidade na denominação: Arte para o ensino médio e Educação Artística para o ensino fundamental.

Não houve nenhuma referência à presença do professor especialista para as séries iniciais do ensino fundamental, o que nos faz supor que nas escolas da rede estadual mineira esta tarefa estará a cargo das professoras.

Com relação às diferentes modalidades de Arte o edital foi bastante aberto, uma vez que o professor habilitado em qualquer uma delas poderia se submeter ao concurso e seu trabalho ocorreria de acordo com sua habilitação específica. Isto parece demonstrar que, ainda que denominado genericamente como professor de Educação Artística, a expectativa era a de que seu trabalho fosse especializado, diversamente daquele concebido como polivalente, da década de setenta.

A respeito da distribuição das modalidades do ensino de Arte nos currículos, encontramos no PCN-Arte (2000, p.108-109):

Um bom planejamento precisa garantir a cada modalidade artística no mínimo duas aulas semanais, em seqüência, a cada ano [...] Por exemplo, se Artes Visuais e Teatro forem eleitos respectivamente na primeira e segunda séries, as demais formas de arte poderão ser abordadas em alguns projetos interdisciplinares, em visitas a espetáculos, apresentações ou apreciação de reproduções e vídeos, pôsteres, etc. A mesma escola trabalhará com Dança e Música nas terceira e quarta séries, invertendo a opção pelos pojetos interdisciplinares.

Percebemos, com isto, que o contexto confuso e periférico do ensino de Arte possui, nas orientações didáticas deste documento, um forte direcionamento.

Ensino de Música e formação docente

Ao se referir à professora, o PCN-Arte (2000, p.57) resvala na questão da sua pequena formação em Arte: “o professor das séries iniciais não ter vivenciado uma formação mais acurada nesta área [...]”. Mas a proposição de amplos e complexos objetivos como: “expressar e saber comunicar-se em artes [...] interagir com materiais, instrumentos e procedimentos variados [...] compreender e saber identificar aspectos da função e dos resultados do trabalho do artista [...]” (PCN-Arte, 2000, p.53-54); também nos fizeram refletir sobre a importância da formação e atuação docente.

Consideramos relevante que a formação musical esteja inserida no contexto atual de reflexões e propostas para a formação de professores/as, inicial e continuada ou permanente. Como afirma Penna (2001, p.4): “Faz-se necessário [...] buscar meios para capacitar o professor das primeiras séries para o trabalho musical em suas turmas [...]”.

Quanto à questão do professor especialista, recorremos a um questionamento de Bellochio (2001, p.46): “bastam 45 minutos de aula de música semanais, de modo desarticulado dos demais conhecimentos que estão sendo trabalhados pelos professores, para potencializar a educação musical na escola?”.

Esta e outros professores e pesquisadores do campo da Educação Musical têm insistido que o trabalho com Música seja realizado pelo especialista, adequadamente formado para tal, ou pela professora, num trabalho colaborativo com o mesmo.

Transcrevemos, ainda, a reflexão de Bellochio (2000, p.03) sobre as possibilidades e limites da ação educativa em Música das professoras:

Como possibilidades entendo, acima de tudo, o entrelaçamento entre diferentes áreas de conhecimentos que compõem o saber escolar [...] Os professores de SIEF conseguem potencializar, muito além da reprodução de canções, mediações dialógicas, utilizando-se de conhecimentos musicais [...] Entendo que alguns limites podem ser compreendidos pela questão do conhecimento específico em Música.

Destacamos a possibilidade de entrelaçamento entre a Música e as demais áreas do conhecimento e informamos que, embora não tenha sido objeto deste texto, esta é uma das dimensões de nossa investigação.

Finalizamos estas reflexões apontando algumas “duplicidades” não resolvidas nos textos legais: a denominação e concepção de ciclos e séries; a denominação e concepção de áreas e disciplinas; as abordagens disciplinar e interdisciplinar; a Educação Artística e a Arte, a Música e demais modalidades; as atuações da professora e do professor especialista.

O aprofundamento das investigações sobre estas questões, terão, a nosso ver, importantes implicações sobre o ensino artístico e musical nas séries iniciais do ensino fundamental, sobretudo nas escolas públicas brasileiras.



[1] Optamos pela utilização da letra maiúscula quando referirmo-nos à Música enquanto área do conhecimento ou disciplina dos currículos escolares.

[2] A redação no gênero feminino deve-se à presença maciça de mulheres nas séries iniciais do ensino fundamental. Na literatura da Educação Musical, encontramos os termos: professor/a de classe, regente, não especialista, unidocente, multidisciplinar ou generalista. Já o termo professor especialista será utilizado para designar professoras e professores de Música.

[3] Documento para os 1º e 2º ciclos, ou, séries iniciais do ensino fundamental denominado PCN-Arte.